Melhorando a experiência de acolhimento da ABEM (parte 1)

Leticia S Emidio
6 min readNov 30, 2021

Mapeando atores e jornadas dos pacientes diagnosticados com Esclerose Múltipla (EM)

Photo by Robina Weermeijer on Unsplash

Nenhum diagnóstico de doença crônica é fácil de lidar. Mas o diagnóstico de uma doença neurodegenerativa, imprevisível nos sintomas e nas sequelas é ainda mais desafiador. E consegue ficar pior quando é cercada de muita desinformação e preconceito da sociedade ainda hoje.

A cada 5 minutos, alguém em algum lugar do mundo é diagnosticado com Esclerose Múltpipla. Fonte: Atlas da Esclerose Múltipla — 3a edição — MS International Federation Set/2020 (Tradução: ABEM)

Uma pesquisa de 2013 mostrou que 64% dos brasileiros não sabem identificar os sintomas da doença, e a grande maioria tem a percepção incorreta que a doença atinge somente idosos e logo leva a dificuldades de locomoção.

As incertezas, a falta de conhecimento e principalmente de acolhimento correto quando o diagnóstico é feito torna tudo muito mais difícil de encarar.

A desinformação destrutiva que “logo estaremos inutilizados em uma cadeira de rodas ” que escutamos dos outros torna o processo de aceitação do diagnóstico e início do tratamento correto ainda mais demorado e sofrido.

Em muitos casos falta apoio da família, dos amigos e até dos próprios profissionais de saúde numa avalanche emocional negativa, que pode inclusive levar a estados depressivos e outros surtos (um dos principais gatilhos desses surtos - piora súbita dos sintomas - é passar por grandes momentos de stress).

Felizmente, existem associações dedicadas a acolher e orientar pacientes como a ABEM (Associação Brasileira de Esclerose Múltipla), que há mais de três décadas se dedica a fazer um trabalho terapêutico transdisciplinar com os pacientes na cidade de São Paulo, mas que também coordena ações no Brasil e colabora internacionalmente com instituições como a MSIF.

No meu caso, foram muitos meses peregrinando entre médicos e exames invasivos até chegar a um diagnóstico e a um local que me acolhesse decentemente. E a partir da minha própria experiência com a doença, e após ser atendida pela ABEM, percebi com meu olhar de UX designer que havia pontos a serem melhorados nos pontos de contato da jornada de quem chega até a associação. Por isso, resolvi captar outros voluntários e liderar um time de UX pra ajudar a melhorar a satisfação e experiência geral dos pacientes que chegam à ABEM no ambiente digital.

Sobre a Esclerose Múltipla (EM)

A EM é uma doença autoimune que atinge o sistema nervoso central (cérebro e medula), de causa ainda desconhecida e que pode atingir qualquer pessoa, embora seja mais predominante no hemisfério norte e em mulheres jovens (entre 20 e 40 anos). São 2,8 milhões de casos no mundo, e cerca de 40 mil diagnósticos no Brasil. Cerca de 85% dos casos atuais de EM são do tipo Remitente-Recorrente, caracterizado por períodos de Surto (inflamação aguda com piora repentina ou surgimentos de novos sintomas)e Remissão (períodos de recuperação dos sintomas do último surto, podendo deixar sequelas permanentes).

Estima-se que existam 2.8 milhões de pessoas afetadas pela EM — das quais cerca 40 mil vivem no Brasil atualmente - numa incidência de 19 para cada 100.000 habitantes. Fonte: Atlas da Esclerose Múltipla — 3a edição — MS International Federation Set/2020

Embora ainda haja pouca conscientização da comunidade médica sobre a EM, melhoras no entendimento dos sintomas e a tecnologia dos exames têm permitido obtermos diagnósticos cada vez mais rápido, o que tem levado a termos, também, pacientes cada vez mais jovens.

Isso acaba aumentando a preocupação com a perspectiva de vida pós-diagnóstico, ao mesmo tempo que amplia a busca de informações na internet pelas gerações Y e Z, de nativos digitais.

Sintomas e o impacto na Acessibilidade

Dependendo da área das lesões, a EM pode causar formigamentos, fadiga, dores, paralisias, problemas cognitivos, de memória, de fala, fisiológicos e os temidos problemas motores (necessidade de usar bengala ou cadeira de rodas). Também pode ocorrer prejuízo na visão (visão borrada, dupla ou cegueira) parcial ou total, de modo temporário ou permanente .

A individualidade dos sintomas de cada pessoa (muitos deles invisíveis aos outros) torna ainda mais difícil o acolhimento empático da sociedade.

As tecnologias assistivas são grandes aliadas na manuntenção da qualidade de vida desses pacientes, conferindo mais autonomia e bem-estar, porém as instituições nem sempre estão preparadas para pessoas que necessitam de recursos de acessibilidade.

Quando se fala de pacientes de EM, é preciso uma atenção especial à facilidade no uso com leitores de tela e na navegação para pessoas com baixa visão ou outros problemas de ordem visual.

Além disso, muitos têm sintomas ou sequelas cognitivas, como um raciocínio mais lento e hipersensibilidade a estímulos visuais/auditivos.

Assim, era especialmente importante projetar uma solução digital que fosse acessível. Ela precisava ser simples, fácil e direta, que não piorasse os sintomas ou deixasse o paciente desconfortável de alguma maneira.

Ao mesmo tempo, o site deveria ser um ambiente acolhedor também para familiares e amigos dos portadores, e principalmente para doadores e outros interessados na causa que ajudam a manter a iniciativa funcionando.

Por isso, nossa principal preocupação com o projeto foi desenvolver uma solução com recursos de acessibilidade e tecnologia assistiva para permitir a autonomia dessas pessoas.

Definição do Escopo do Projeto

Nossa pesquisa exploratória confirmou que os maiores pontos de dor do paciente se dão no início da jornada — seja buscando os primeiros sintomas isolados antes do diagnóstico, ou logo após a confirmação dele, quando ainda há muitas dúvidas e medos de como a vida será dali pra frente.

Assim, definimos que o recorte do nosso projeto teria o objetivo de facilitar o acesso à informação de recém-diagnosticados com a doença, já que ainda falta muito conteúdo que esclareça as muitas dúvidas que os novos pacientes têm.

Então a pergunta que norteou este trabalho foi “Como melhorar a experiência de acolhimento de um recém-diagnosticado de EM que chega até a ABEM?”

Discovery

O projeto se iniciou com uma imersão conceitual para os membros do time que não estavam inteirados do assunto. Eu compartilhei minha trajetória como paciente para termos um ponto de partida na definição da jornada, e fomos atrás de mais pacientes para comparar e validar essa complexa experiência de descoberta e adaptação com a EM.

Fizemos inicialmente uma Desk research para validar algumas informações e criamos nossa matriz CSD (Certezas, Suposições e Dúvidas) para idear e levantar as hipóteses e questionamentos que orientariam nossas pesquisas subsequentes.

A jornada até o diagnóstico

A jornada do portador é tortuosa e passa por uma avalanche emocional, sempre tendendo ao negativo. Assim, já vimos que era necessário que a abordagem nos pontos de contato seja sempre de acolhimento, inspiração, empatia e positividade não tóxica.

Fig. 01 — Mapeamento inicial da Jornada da pessoa portadora, feita a partir de Post-its no FigJam. A jornada se inicia com os primeiros sintomas, usualmente ignorados pelos próprios pacientes por sumirem depois de um tempo, ou por médicos não especialistas quando procurados pelos sintomas isolados. O momento mais marcante da vida de um portador é a ocorrência do primeiro SURTO (momento de piora súbita ou surgimento de novos sintomas em poucos dias), que frequentemente incorre em internação hospitalar e a chamada PULSOTERAPIA, uma infusão de corticóides pra ajudar na desinflamação cerebral. Se ainda não houve, esse é o momento onde geralmente ocorre a investigação e o diagnóstico oficial de Esclerose Múltipla. Aí começa uma jornada delicada de autoaceitação do diagnóstico, busca por respostas, prognósticos e especialistas para o tratamento e reabilitação das sequelas. Os pacientes podem buscar tratamentos alternativos (como o da Vitamina D) ao analisar os prós e contras dos tratamentos convencionais que podem ter sérios efeitos colaterais. Os que desistem das vias alternativas, e/ou os que optam pelo tratamento tradicional, podem buscar os medicamentos de alto custo dentro da farmácia pública especializada, por meio de ação judicial nos planos de saúde, ou podem ainda se voluntariar para estudos clínicos de medicações que estão com pesquisas em andamento. As estrelas da figura mostram os possíveis pontos de contato com a ONG.

Mapa dos Stakeholders (Atores) envolvidos

Outro ponto essencial no início do projeto foi o mapeamento dos atores envolvidos, pois a partir dele poderíamos entender a dinâmica em torno de um paciente recém-diagnosticado.

Nesse mapeamento, identificamos que além do paciente, na esfera pessoal temos familiares, amigos e a sociedade em geral com quem o paciente interage. Há uma relutância na aceitação do diagnóstico, em expor para seu círculo social sua condição e conviver com um possível preconceito.

Na esfera profissional, um surto de EM pode causar o afastamento laboral, o que envolve a empresa e o INSS. Caso haja sequelas, o governo entra como o ator que assegura estabilidade, afastamento ou aposentadoria, ou políticas de cotas para PcD.

Na área da saúde, diversos outros atores públicos e privados fazem parte da trajetória dentro de hospitais, clínicas diagnósticas e especialistas em uma abordagem interdisciplinar para essa doença igualmente múltipla.

Esquema no Figjam do mapa de atores em torno do recém-diagnosticado com Esclerose Múltipla (quadro lilás). Há iniciativas públicas e governamentais (quadros amarelos), privadas ou não governamentais (quadros verdes), atores da área da saúde e cuidado ao paciente (quadros azuis) e pessoas físicas que se relacionam direta ou indiretamente com esses pacientes (quadros rosa alaranjado). Traços contínuos indicam interações que ocorrem, e traços pontilhados são interações que podem ou não ocorrer.

Nos próximos artigos, veremos o desenvolvimento do projeto usando os outros processos de Design Thinking nas etapas de Discover, Define, Develop e Deliver.

Este trabalho foi desenvolvido entre Outubro e Dezembro de 2021. Ele foi idealizado e coordenado por mim, porém tive a valiosa colaboração e cocriação de Dieville Leandro, Sara Cerutti e Isabela Torres que toparam me ajudar nessa etapa da empreitada.

Gostou? Tem feedbacks ou sugestões de melhoria? Então nos deixe um comentário ❤

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Leticia S Emidio

Criativa paulista, ex-empreendedora e marketeira. Agora, uma UX writer apaixonada por usar as palavras certas pra ajudar os usuários a resolverem suas demandas.